quarta-feira, 25 de junho de 2008

SAIU NO JORNAL DA TARDE SP

Jornal da Tarde é censurado
Liminar concedida ontem impediu a publicação de reportagem sobre supostas irregularidades cometidas no Conselho Regional de Medicina de São Paulo. Juristas e representantes de entidades de classe consideraram a decisão censura prévia
FELIPE GRANDIN, felipe.grandin@grupoestado.com.br
Passados quase 40 anos da adoção do AI-5, que marcou o início do período mais duro do regime militar, o Jornal da Tarde volta a ser vítima de um ato de censura. Liminar concedida ontem pelo juiz-substituto Ricardo Geraldo Rezende Silveira, da 10ª Vara Federal Cível de São Paulo, proibiu a publicação de reportagem sobre supostas irregularidades cometidas pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) - que estão sendo apuradas pelo Tribunal de Contas da União (TCU).A liminar foi entregue ontem às 20h na redação do JT por Cláudia Costa, advogada do Cremesp. Sua autenticidade foi confirmada pela Assessoria de Imprensa do Tribunal de Justiça. O juiz não foi encontrado para comentar a decisão.A reportagem estava apurando as denúncias quando foi surpreendida pela liminar. Primeiro, foi avisada por telefone pela assessoria de imprensa do órgão e, depois, a cópia do documento foi entregue pessoalmente pela advogada.Ontem à tarde, em entrevista, o presidente do Cremesp, Henrique Carlos Gonçalves, insinuou que poderia processar o JT, caso as denúncias fossem publicadas. “Qualquer divulgação (...) que venha a macular a imagem da instituição, evidentemente, o difamador nós vamos processar e quem, evidentemente, fizer a propalação desta difamação. Com processo civil e com processo-crime.” E justificou: “Não é nada pessoal. É uma instituição pública que tem que manter esse status.”Horas depois, chegou o parecer do juiz. Silveira decidiu atender o pedido do Cremesp (veja ao lado). A alegação do órgão era de que “as supostas irregularidades não se sustentam” e que havia “intuito político da reportagem, ante o processo eleitoral em que se encontra a autarquia”. A eleição da nova diretoria do conselho será em agosto.O magistrado ainda intimou o Grupo Estado, do qual o JT faz parte, a “prestar esclarecimentos” no prazo de 72 horas. E suspendeu a publicação da reportagem “até ulterior determinação deste Juízo”.Repercussão“Teria que prestar esclarecimentos sobre o quê? Sobre o que vai publicar? Sobre a intenção? Isso é censura”, disse o jurista Dalmo Dallari, professor catedrático da USP. “Ele está se baseando em suposições. Não há nenhum dado objetivo que dê fundamento a essa decisão.”“A Constituição Federal, no artigo 220, proíbe a censura e especialmente a censura prévia”, afirma o presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Maurício Azêdo. “O grande inimigo da imprensa hoje é o Poder Judiciário, que, em decisões de juízes despreparados e com vocação totalitária, cerceia a liberdade de expressão e os direitos estabelecidos.”Para a Federação Nacional dos Jornalistas, o ato é antidemocrática. “Lutamos muito pelo fim da censura, mas infelizmente isso tem se tornado freqüente”, disse o presidente do órgão, Sérgio Murillo de Andrade. Ele diz que o Conselho pode procurar a Justiça se informação inverídica for publicada. “O jornal é impedido de fazer o seu trabalho, o maior prejudicado é o cidadão.”A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) condenou a decisão judicial. “A Justiça nunca deveria proceder dessa forma.Não podemos ter jornais censurados vivendo em uma democracia”, afirmou Plínio Bortolotti, diretor da Abraji para assuntos de liberdade de imprensa. “A Abraji defende o direito que qualquer pessoa tem de entrar na Justiça ao se sentir ofendida com um conteúdo publicado. Mas, nesse caso, a matéria sequer tinha sido publicada.”O Sindicato dos Jornalistas do Estado reconhece que os mecanismos judiciais fazem parte da democracia, mas não devem ser usados em favor da censura. “Todo cidadão tem direito de recorrer à Justiça, mas quando tentam usar isso de modo escuso é condenável”, afirmou José Augusto Camargo, presidente do Sindicato.A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também condenou a atitude do Cremesp e do juiz. “O abuso é punido a posteriori. Jamais previamente, antes de expressado o pensamento”, diz o presidente da OAB, Cézar Britto. “A prática da censura prévia tem sido noticiada constantemente, o que deve acender o sinal de alerta da democracia.”